ENTREVISTA EXCLUSIVA

PROFº RIOLANDO AZZI


 

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ENTREVISTA CONCEDIDA AO IGREJA NOVA DURANTE O SEMINÁRIO NACIONAL DO CEHILA EM RECIFE, NA UNICAP DE 02 A 06 DE SETEMBRO DE 1997.

IGREJA NOVA -  Professor Riolando Azzi, qual sua opinião sobre a tensão que existe entre a religião oficial e a religiosidade popular?

PROF. RIOLANDO AZZI - A base fundamental desta tensão vem justamente de uma tradição do terceiro século. A Igreja, que tinha nascido num ambiente rural, se institucionaliza na cidade, onde o grande veículo de transmissão da fé é a cultura, é o livro. Então, a mensagem católica passou a ser codificada por dentro de textos, no chamado catecismo romano, que foi feito em Roma e depois se divulgou nas demais regiões.

Aqui, no catecismo brasileiro, catecismo popular. Somente que o povo muitas vezes não tem acesso a essa verdade transmitida pelos livros, então a forma pela qual ele recebe a mensagem é a imagem, daí a grande força do culto das imagens. Aquilo que ele vê, por isso as grandes igrejas antigas estão cheias de imagens, de painéis. Na medida em que nos urbanizamos e a igreja se intelectualiza, entre os católicos de classe média, ou mesmo o operariado, se estabelece um certo distanciamento, uma certa tensão, o que é normal. Eu diria que esta tensão não é só da Igreja oficial em relação ao catolicismo popular; é a tensão da classe letrada, com relação ao povo.

IGREJA NOVA - O que fazer para diminuir a distância ?

PROF. RIOLANDO AZZI - Eu acho que a Igreja oficial tem que adotar aquela atitude de Jesus. É preciso fazer um discurso que o povo possa compreender... como Jesus falava, através de uma linguagem popular, com histórias e parábolas. Desta forma facilitará uma aproximação entre essa igreja mais letrada, mais doutrinal, e essa igreja mais popular, mais voltada ao culto dos santos.

IGREJA NOVA -  Professor, será que nesse quadro se inseriria a figura de frei Damião ? Aqui o povo não freqüentou muito as cerimônias da igreja oficial, pelo contrário, preferiu a manifestação espontânea de ver o frei no velório, o que somou aproximadamente umas 300.000 pessoas, segundo algumas fontes da imprensa. Onde situa-se a figura de frei Damião, entre o catolicismo oficial e o catolicismo popular?

PROF. RIOLANDO AZZI - Eu acho que há um certo paralelismo entre a figura do frei Damião e a figura do padre Cícero. Na verdade os dois são filhos de uma igreja letrada e de um um mesmo ambiente de sociedade, mas souberam, de alguma forma, ir ao campo, procurar a aproximação do povo. Eu tenho a impressão que quando o povo ouvia o frei Damião não era tanto a doutrina que ele transmitia, mas era sentir que ele, como padre, estava junto com ele. Muitas vezes, penso eu, quando ele falava para grandes multidões, muita gente não escutava o que ele estava dizendo.

IGREJA NOVA -  Adiantava falar sem ser ouvido ?

PROF. RIOLANDO AZZI - Mas era exatamente aquela imagem, que eu diria, de Jesus que está junto com o povo, e que o povo sente que pode estar como Ele, abençoando. Isto é, aquilo que para nossa tradição religiosa sempre foi o fundamental...

IGREJA NOVA - E que vida leva o nosso povo pobre do campo...

PROF. RIOLANDO AZZI - Uma vida que normalmente é de sofrimento, então é esperar este conforto do sacerdote, uma ponte bem interessante. Uma pessoa que vem do mundo das hierarquias, vem da igreja oficial, isso é o caso do Pe. Cícero, e o caso de frei Damião.

IGREJA NOVA - Há diferenças entre os dois?

PROF. RIOLANDO AZZI - Há. Com o padre Cícero a igreja chegou até a uma certa rejeição, ele foi praticamente suspenso de ordem religiosa, ordem sacra, etc...e frei Damião sempre recebeu a legitimação oficial, embora alguns bispos não entendessem o porquê da aceitação dele no nível popular.

IGREJA NOVA -  Dentro deste contexto, a igreja oficial muitas vezes olha de maneira distante para a religião popular. Na igreja, que nós dizemos progressista, também há uma certa intelectualidade que se distancia desses movimentos populares. Eu pergunto o seguinte: como foi que essafigura de Jesus Cristo, o crucificado, que foi passado para estes pobres durante quase quinhentos anos de dominação, ajudou-os a sobreviver e construir suas vidas ao redor desta imagem?.

PROF. RIOLANDO AZZI - É fundamental, para nós entendermos, que a aceitação de determinados valores religiosos está vinculada às condições sociais e culturais das comunidades que recebem a mensagem. Ora, esta figura que você lembra muito bem, do Jesus Crucificado, do Bom Jesus Sofredor, não é uma figura criada aqui no Brasil, foi criada a partir de toda uma sociedade medieval que vivia em condições extremamente precárias, em termos de pouca alimentação, de seca, de enchentes, de pobreza, de doença, isto é, os meios de condição material sempre foram muito precários; então, o que esta população esperava da religião, era alguém que estivesse ao lado dela, para que não entrasse em desespero. Alguém que inspirasse confiança, mesmo que fosse para o futuro, mas sabendo que apesar de todo o sofrimento ainda valia a pena lutar.

IGREJA NOVA - O senhor teve muitos exemplos disso na sua vida ?

PROF. RIOLANDO AZZI - Ontem mesmo tivemos a oportunidade de assistir aqui um grupo de índios falando que tinha montado um culto religioso de encantamento dedicado à Jurema e que era através dessa dança que eles, que estavam sendo despojados de suas terras pelos fazendeiros e não estavam encontrando apoio do governo, estavam lutando há oitenta anos. Então, esta figura que para eles era Jurema com encantamento, era o que dava a razão de ser da própria resistência e esperança de vida. As mulheres velhas diziam: "apesar de tudo nós continuamos a esperar, nós continuamos a viver".

IGREJA NOVA -  A luta do povo pobre é surpreendente...

PROF. RIOLANDO AZZI - Fico muito impressionado quando às vezes há uma enchente e escuto aquele povo falar "bom, eu perdi a minha casa, perdi isso, mas eu confio em Jesus. Jesus vai estar ao meu lado. Ao passo que um rico, que tem uma grande propriedade, perde-a, se desespera e dá um tiro na cabeça, perde toda a visão.

IGREJA NOVA -  Não haveria um perigo de alienação na religião ?

PROF. RIOLANDO AZZI - A religião dá uma grande forma de segurança. É claroque não basta isso. Devemos ajudá-los a criar condições para que possam reivindicar os seus direitos, e aí está toda a teologia da libertação, que ajuda progressivamente esse povo a criar uma consciência social. Só que não são duas coisas opostas, o Cristo Libertador é uma etapa de um Cristo Sofredor. Não são duas coisas que se opõem.

IGREJA NOVA -  Pensamos geralmente o contrário...

PROF. RIOLANDO AZZI - Às vezes, infelizmente, temos um olhar um pouco crítico...dizemos "o povo é alienado, nós é que estamos com uma consciência crítica"...não, ele não é alienado; ele tem uma outra forma de consciência social, que é uma coisa muito forte e de resistência.

IGREJA NOVA - O senhor falou dos índios. E os negros ?

PROF. RIOLANDO AZZI - Diria muito mais... Passaram 400 anos na escravidão, é muito difícil dizer a eles "lutem"; já lutaram 400 anos e cada vez que começaram foram novamente escravizados, violentados. As esperanças, digamos humanas, de conquista para eles são muito pequenas. Eu acho que a fé ajuda muito mais a não entrar no desespero, num sentimento de "não há mais nada para fazer".

IGREJA NOVA  -  Para encerrar, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para os leitores do Igreja Nova, especialmente para os leigos e leigas de Olinda e Recife.

PROF. RIOLANDO AZZI - Tenho a impressão que a caminhada da Igreja historicamente, supõe duas coisas: uma grande esperança na unidade, na fraternidade....mas ela passa pela contingência humana e as cabeças humanas têm horizontes limitados.

IGREJA NOVA -  O senhor sabe que vivemos um conflito...

PROF. RIOLANDO AZZI - Nós não devemos ver o conflito como a última razão de ser da Igreja, mas como uma etapa para se atingir uma unidade maior, uma unidade superior. Eu acho que o grande acontecimento da Igreja primitiva foi o Concílio de Jerusalém, que começou exatamente num conflito, aonde Paulo desafia Tiago, que era representante de uma igreja conservadora, e diz " Não! Precisamos avançar, precisamos nos abrir aos gentios, precisamos ter uma nova visão". Tiago é um santo e Paulo é um santo. Sem dúvida os dois estão procurando iluminar-se em Jesus.

IGREJA NOVA - Entre Paulo e Tiago, a Igreja caminhou mais com   quem ?

PROF. RIOLANDO AZZI - A figura de Paulo, que sabe romper com estruturas mais conservadoras e abrir-se para horizontes maiores, é do ponto de vista, não de julgar as pessoas, quem é o mais santo ou quem está mais perto de Deus, mas dos resultados sócio-econômicos, sócio-políticos, de expansão da fé, foi certamente uma figura vitoriosa. Acho que qualquer movimento de renovação na Igreja vai encontrar sempre uma resistência, que é normal, então é doloroso e difícil passar por esses conflitos, mas têm que ter esperança de que se a gente não se abre para a renovação a gente corre o perigo de transformar a igreja quase num museu. A igreja não é feita de coisas bonitas do passado, simplesmente para a gente olhar, mas é feita de uma fé que deve nos alimentar a cada dia, alimentar a nossa esperança, sobretudo o nosso sentimento de fraternidade entre os irmãos.

IGREJA NOVA.: Muito obrigado professor.